Os
Santiagos do mundo inteiro estão inquietos. Uma inquietude que não
quer ser mais quieta, embora eles estejam sufocados pela Vida, pelo
mundo e pelo desconhecimento de si próprios! Mas, eles têm boas
razões para tanto. Todos se unem num momento de excesso irrefreado
de furor. Furor necessário e deveras urgente. Urgência salvífica?
Será? Vamos ouvir o clamor deles:
─ Já
são 23h30. Estamos sem sono e sem vontade... ora, vontade, não
entendemos mais essa palavra. Podemos afirmar categoricamente que já
não vivemos há muito tempo. Porque viver pelos outros é uma
forma de morrer aos poucos, a cada madrugada de insônia, a cada
sorriso forçado, a cada olhar interrompido, a cada beijo recusado!
Somos mortos-vivos! Essa é a nossa verdade: solidão!
“Sentimo-nos
roubados, extorquidos, dilacerados pela Vida. Por que devemos
escolher a Vida mesmo quando ela não nos quer? A Morte às vezes
pode nos soar tão bem! Parece ser uma consequência lógica dessa
Vida lúgubre e estéril. A Morte não é o oposto da Vida, mas sim,
sua conclusão. O oposto à Vida é quando esta não nos dá o ar de
sua graça. Precisamos ir além de viver biologicamente, precisamos
viver felizes... Uns perguntam: Vida sem felicidade? Outros
tergiversam: Felicidade sem vida? Nesse lastimável paradoxo em que
nos encontramos esses mesmos outros dizem que se entregar é uma
bobagem, uma covardia. Será mesmo? Podemos duvidar muito
enfaticamente! Nossa memória pode ser uma casa mal-assombrada onde
encontramos velhos fantasmas. As vozes nunca foram embora, sempre
conviveram conosco, mas podemos não ter mais forças para
silenciá-las! Muita coisa nós guardamos somente para nós mesmos no
desejo de não sermos inconvenientes com os nossos amigos.
“Violência
é o desespero pelo medo da Morte, uma fugaz satisfação, uma
evanescente distração para esse Tempo lerdo. Por isso o gosto de
dormir, pelo menos os nossos sonhos podem ser mais alegres a ponto de
desviar nossos pensamentos, durante o dia, da vilania diária.
“Sobreviver,
esta é a mais terrível maldição. Tornou-se algo politicamente
correto, algo suficiente. Que repugnância nojenta. Nosso coração
bate descompassivo, angustiado. Nosso olhar está hipnotizado pela
mesmice, pelo trivial. Não saberíamos dizer até onde isso nos
deixa cegos. Uma cegueira desordenada. E nessa desordem toda fechamos
nossos olhos e, como se flutuássemos, nossos corações param, e um
mal-estar existencial sai da gaveta profunda de nosso coração e
toma com força a direção da nossa vida, ou do que restou dela.
“O
que há de errado com o nosso coração? Por que o nosso coração
subjaz tão rapidamente? Outros poderiam perguntar. Ledo engano. Lá
se vão muitos anos em nossa história de luta, de duplipensamentos,
de resistências heroicas, mas tudo chega ao seu fim, porque as
forças um dia cessam. Não obstante, num último respiro
condescendente para conosco mesmos, vemos alguém balançar a Verdade
Absoluta à nossa frente. Que irresistível! Ele nos diz que a
Verdade liberta. Mas do que nós poderíamos estar presos? Só pode
ser da Vida, desta vida e não de outra. Por que existe esta vida e
não outra? Mas se nós não nos adaptamos facilmente a essa vida,
nos libertar dela parece ser algo tentador. Então nós podemos dizer
ao anunciador que pode nos dizer qual é a Verdade.
“O
anunciador continua dizendo que a Verdade liberta mediante o seu
conhecimento. Libertar do quê, novamente? Do mundo? Claro, só pode
ser desse mundo, para ganhar outro que não sabemos qual é. Para os
nossos corações sofridos e desejosos de alguma felicidade, apesar
da suspenção de nosso juízo, se alegram com essa bandeira
anunciada e cai no perigoso poderio psicológico manipulador da
Verdade Absoluta. Alguém que conhece a Verdade está salvo e pode se
sentir num estado melhor que os outros e, por isso nos chamar de
perdidos.
“Tomemos
cuidado, pois esta Verdade se faz ser obedecida mediante uma
autoridade. Autoridade que requer uma fé. Não temos nada contra a
fé, desde que ela seja genuína da parte das pessoas e, emergida de
suas reflexões. E o que acontece com aqueles que não têm essa fé
e não legitimam essa autoridade? Serão vistos no mínimo, mais uma
vez, como perdidos, ou em outros casos como potenciais inimigos ─
hereges?!
“Mas,
o que os anunciadores querem mesmo é mais adeptos para a Verdade
anunciada. Para isso eles se valem, querendo ou não, sabendo ou não,
de psicologia de rebanho para aumentar o número de seus
contribuintes.
“O
que podemos aprender com tudo isso é que temos que nos precaver
sobre qual autoridade vamos dar outorga em nossa vida. E a qual
conhecimento nós vamos nos dedicar, pois este é um Tempo lerdo que
retarda a consumação plena da nossa vida. É preciso ter aquela
clareza de raciocínio, que nos conclama a sermos nós mesmos. E
podemos dizer que esta é a nossa maior verdade que podemos alcançar
e o poder é nosso para dirigir as nossas próprias vidas. Abaixo a
ditadura do pensamento único!
“Nesse
momento em que nos reencontramos conosco mesmos, podemos assumir o
lado trágico da Vida e dizer que vamos cuidar das nossas existências
chorando, sofrendo, solitários, e também alegres, impulsivos,
exagerados, mas agora, sem ódio à Vida, exercendo o maior presente
que ela poderia ter nos dado: nós mesmos e um mundo onde podemos,
mais uma vez, ser nós mesmos.
“Muitos
de nós nascemos póstumos, por isso devemos morrer para que tudo se
encaixe novamente. Aos nossos amigos que sempre esperaram por nós
dizemos: adeus. Às gerações futuras dizemos: enfim chegamos. Aos
poderes opressores falsamente instituídos de todos os tempos, temos
o direito de dizer: NÃO!
“Não
tentem me roubar de mim mesmo com essas suas Ditaduras da Verdade,
NÃO... NÃO! Pois sinceramente sou um herege dos dogmas alheios!
Escutaram bem, dos dogmas alheios. Mas, não do dogma que sempre se
revela do fundo do meu coração: o amor... esse eu posso dar para
ti, ─ só se quiseres, pois não imponho nada a ninguém, nem
poderia ─, só me basta a mentira de seu sorriso antipático, o
desvio de seu olhar lânguido, e a fugacidade de seu beijo fugidio. E
se você me disser que me ama de verdade, eu lhe direi do fundo do
meu coração: NÃO!... não quero mais saber de nenhuma verdade!
Quero apenas continuar vivendo na mentira da minha solidão.